Artigo | A reforma da Previdência é o fim da seguridade social

Governo atende à demanda do mercado truculento, bruto e desumano, que visa sangrar o trabalhador até o último suspiro

A Previdência Social é fruto de um processo histórico de luta e materialização dos direitos fundamentais para os trabalhadores e trabalhadoras. Atualmente, ela é responsável pela distribuição de renda e garantia da justiça social em diversos municípios, contribui significativamente para redução das desigualdades e, portanto, para a efetividade da dignidade da pessoa humana, princípio central do Estado

Democrático de Direito.

Visando acabar com a previdência social e solidária e agradar os grandes grupos econômicos, no dia 20 de fevereiro de 2019, o governo federal apresentou a proposta de reforma da Previdência, a PEC 06/2019, a qual foi denominada “Nova Previdência”. Tal proposta traz como principais alterações a idade para aposentadoria, contribuição rural, idade mínima para o segurado do Regime Público da Previdência Social, benefícios pagos inferior ao salário mínimo e sem correção pelo índice de infração, capitalização da previdência que altera completamente o seu caráter social e solidário hoje constitucionalizado.

Hoje, a Previdência Social tornou-se responsável pela maior política de distribuição de renda do país, proporcionando a garantia da qualidade de vida dos trabalhadores e trabalhadoras, além de ser o principal fator de dinamização da economia de centenas de municípios no país, como fator de diminuição da pobreza e promoção da justiça social.

Essa reforma da Previdência é algo muito gravoso ao trabalhador. Ela altera todo o sistema hoje vigente no Brasil, que perpassa pela assistência social, previdência e saúde.

Abaixo serão destacados pontos específicos que serão alterados com a reforma da Previdência.

Capitalização

Hoje, a seguridade social é compreendida como um conjunto integrado de ações dos poderes públicos e da sociedade, destinados a assegurar os direitos relacionados a previdência social, assistência social e saúde. É financiada por toda a sociedade de forma direta e indireta, conforme determina a Constituição de 1988.

A Previdência Social é organizada por meio de uma base diversificada de contribuições obrigatórias e financiada por várias receitas vinculadas a um único caixa. Dentre as contribuições, destacam-se a dos empregados e empregadores, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL),

Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Confins), Contribuição sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos, Programa de Integração Social (PIS), que financia o Seguro-Desemprego, e contribuição de 2.1% sobre o valor da comercialização do agricultor.

O que está se propondo com a tal da “ Nova Previdência”, conforme determinada por Bolsonaro, é o fim da seguridade social, o fim do pacto social garantido pela Constituição de 1988. Em outras palavras, a proposta de reforma desconstitucionaliza a previdência social, retirando o papel do Estado de administrar e cumprir parte do financiamento. Dessa forma, coloca na mão do mercado financeiro a administração da maior riqueza social desse país, que é a Previdência Social.

Essa proposta acaba com obrigatoriedade de contribuição do empregador, com a participação do Estado, e somente o trabalhador e a trabalhadora passarão a contribuir para uma conta individual, que será administrado pelo banco privado. Esse banco ainda cobrará uma taxa administrativa, que geralmente é bastante alta, e usará seu dinheiro para fazer investimentos. Isso é muito perigoso e causará problemas sérios num futuro não muito distante.

A proposta de capitalização pode ser compreendida como o fim da previdência pública, solidaria e social no Brasil, e assim acelerar os apetites do capital financeiro por meio da privatização de forma cruel e impiedosa, impedindo que o trabalhador e a trabalhadora tenham acesso a aposentadoria na velhice.

Essa proposta atinge todo o sistema da previdência. Não se trata de categorias específicas: é mudança geral para piorar a vida do trabalhador.

O que muda para os trabalhadores rurais?

Pelas regras atuais, os trabalhadores rurais precisam obrigatoriamente comprovar 15 anos de atividade rural para ter acesso a aposentadoria. As mulheres se aposentam aos 55 anos e os homens se aposentam aos 60 anos. Com a reforma, a idade mínima para a trabalhadora se aposentar passará de 55 para 60 anos, e terá uma contribuição em dinheiro durante o período de 20 anos – a contribuição será de R$ 600,00 ao ano.

Para o homem, a idade mínima permanece com 60 anos. Porém, terá que contribuir diretamente, ou seja, pagar durante 20 anos R$ 600,00 para poder ter o direito de acesso a aposentadoria.

Pelas regras atuais, os agricultores são assegurados especiais. Contribuem de forma indireta com a Previdência Social e diretamente com 2,1% da venda do excedente da produção. Por outro lado, cumprem um papel fundamental na sociedade, que é produzir alimentos para a alimentar o povo brasileiro.

Dessa forma, fica perceptível que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 06/2019 vai adiar ou até mesmo acabar com o direito a aposentadoria dos trabalhadores e das trabalhadoras rurais, pois esses nem sempre poderão pagar ao INSS – condição indispensável para ter direito a aposentadoria conforme determina a proposta de reforma.

Ela também estabelece que homens e mulheres terão que contribuir por 20 anos, independentemente de conseguir garantir a produção necessária para o consumo e comercialização do excedente. Em síntese, a reforma da Previdência fará com que você trabalhe mais, contribua mais e ganhe menos – os que conseguirem ganhar, pois para os agricultores e agricultoras se torna impossível ter que contribuir diretamente em dinheiro o valor de R$ 600,00 durante 20 anos. Na grande maioria das realidades, é dizer que não haverá mais aposentadoria para o trabalhador e trabalhadora do campo.

E para o servidor público, como fica?

O governo Bolsonaro foi cruel e impiedoso com o servidor público. A PEC 06/2019 atinge profundamente os servidores públicos, em todas dimensões. União, estados e municípios serão alcançados, e todos os trabalhadores e trabalhadoras serão penalizados.

As regras hoje vigentes estabelecem que os homens se aposentam com 60 anos, e com no mínimo 35 anos de contribuição, e as mulheres com 55 anos e 30 de contribuição. Ambos recebem 100% do benefício. Com a proposta de reforma, a idade mínima passa ser estabelecida de 65 anos para homens e 62 anos para as mulheres, como também se estabelece um tempo mínimo de contribuição de 25 anos, para que os servidores possam ter acesso a 60% do salário benefício.

Para poder receber o valor integral do salário benefício, os servidores terão de contribuir por pelo menos 40 anos, conforme conteúdo definido na proposta de reforma encaminhada ao Congresso, como também são estabelecidas novas porcentagens de alíquotas de arrecadação do servidor.

Como fica o Benefício de Prestação Continuada?

Com a reforma, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) poderá ser acessado a partir de 60 anos no valor de R$ 400,00, que progressivamente irá subir até chegar a 1 salário mínimo quando o beneficiário completar 70 anos de idade. Isso mesmo, só a partir de 70 anos terá direito ao equivalente ao salário mínimo. Não custa lembrar que a expectativa de vida em alguns Estados é justamente

de 70 anos, logo esse ponto da reforma acaba com o sonho das famílias que estão em situação de miserabilidade de receber o benefício no valor de um salário mínimo.

Esse é um benefício pago a quem tem renda de até 1⁄4 (um quarto) do salário mínimo. Para os mais empobrecidos e miseráveis, a reforma é violenta e colocará muitos idosos em situação insustentável de vida. É a verdadeira degradação da vida humana.

Pensão por morte

A regra a atual estabelece que os reajustes sejam vinculados ao salário mínimo, com reposição da inflação, e a pensão é paga integralmente as viúvas/viúvos. É permitida a acumulação de aposentadorias e pensões.

Com a proposta de reforma, os reajustes serão desvinculados do salário mínimo, deixando, portanto, de ser uma garantia constitucional, e não terá mais reposição da inflação.

Quem tiver direito a pensão receberá apenas 50% do valor do benefício, mais 10% do que o trabalhador ou trabalhadora tinha direito, mais 10% por cada dependente. Ou seja, os filhos menores de idade têm direito a 10% cada, até completar 100%. Logo, cada trabalhador ou trabalhadora tem de ter deixado no mínimo quatro filhos para que o viúvo/viúva tenha direito a receber o salário completo.

A mesquinhez é tamanha que, quando um filho atingir a maioridade ou falecer, a sua cota será subtraída.

Outro ponto de relevante preocupação da PEC 06/2019 é que a mesma deixa brechas que serão resolvidas por meio de lei complementar, que exige apenas uma maioria absoluta no Congresso e não precisa se submeter à maioria qualificada das duas casas em dois turnos – como acontece com a Proposta de Emenda Constitucional.

A reforma da Previdência proposta pelo governo de Bolsonaro é, sem dúvida, a política de rebaixamento dos direitos adquiridos pelos trabalhadores e trabalhadoras, dessa forma o governo atende à demanda do mercado truculento, bruto e desumano, que visa sangrar o trabalhador até o último suspiro, porque impõe condições que jamais poderão ser alcançadas pelos trabalhadores.

Não há dúvida que se trata de uma reforma perversa, que acabará com os benefícios sociais que são fundamentais para a justiça social. Acredito que nem deveria ser chamada de reforma, pois é o fim, a destruição da Previdência Social, que provocará a maior onda de precarização do trabalhador rural e urbano.

Por fim, destaco a violência que é cometida ao não reconhecer a diversidade de realidades existentes no Brasil, que reflete inclusive na expectativa vida, com grande diferenças regionais. Hoje, a média de vida no Brasil é de 76 anos, no entanto existem estados (Maranhão) com expectativa de 70 anos, e outros estados (Santa Catarina) com expectativa de 79 anos. Logo, estabelecer uma idade mínima para todos é uma violência e fere o princípio da isonomia, que ressalta que os iguais devem ser tratados de forma igual e os desiguais na medida de suas desigualdades.

* Claudeilton Luiz é camponês, advogado popular e militante do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA).

Fonte: Brasil de Fato

Fonte: Fenafisco