Presidente da Fenafisco: “Tributação brasileira não é alta, é injusta”
Charles Alcântara defende a chamada Reforma Tributária Cidadã, que diminui a tributação sobre os mais pobres e aumenta sobre a parcela mais rica da população.
A Reforma Tributária, apontada como uma das maiores urgências para garantir o equilíbrio das contas do país, é sempre objeto de debates entre os mais diversos setores da sociedade. Sobre o assunto, O Dia conversou com o presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), Charles Alcântara, que defende a chamada Reforma Tributária Cidadã, que diminui a tributação sobre os mais pobres e aumenta sobre a parcela mais rica da população. A entidade, que reúne os servidores públicos fiscais tributários de todo o país, também condena as políticas de renúncia fiscal, adotadas por estados e municípios, além de se posicionar de maneira contrária ao projeto de Reforma da Previdência, enviado pelo Governo Federal ao Congresso.
– Qual o principal desafio que a categoria dos auditores do fisco enfrenta atualmente no Brasil?
Bom, em primeiro lugar, os auditores do fisco cumprem um papel constitucional essencial para o estado brasileiro, para a sociedade brasileira. Cabe aos auditores do fisco, fiscalizar, coibir a sonegação e garantir que os tributos cheguem aos cofres públicos. O nosso grande desafio, que é um desafio coordenador pela federação nacional e pelos sindicatos que estão nas 27 unidades federadas, primeiro é se conectar com a sociedade e mostrar o trabalho que a gente desenvolve em defender o interesse da sociedade. Vivemos um momento muito delicado para o país, que é essa proposta de Reforma da Previdência encaminhada ao Congresso pelo Governo Federal, que é extremamente perversa, principalmente com os mais pobres. O nosso desafio e a nossa responsabilidade é defender a sociedade, e alertá-la, é informá-la sobre o conteúdo e o alcance dessa proposta que vai desmontar e acabar com a previdência pública do país. Talvez esse seja o nosso principal desafio no momento, ao lado de outro grande desafio, que é propor ao país a mudança na tributação, diminuir os tributos sobre o consumo, que são uns dos mais altos do mundo, e, por outro lado, aumentar a tributação dos mais ricos. A tributação no Brasil não é alta, ela é injusta. Ela é muito alta para os mais pobres, e muito baixa para os mais ricos. Então, nós precisamos, portanto, ajustar, diminuindo os tributos sobre os mais pobres, sobre as famílias, e aumentar os tributos sobre os mais ricos, que pagam pouquíssimo imposto no Brasil.
– Além da Reforma da Previdência, outra discussão bastante frequente no Brasil é a Reforma Tributária. Como a Fenafisco acompanha essa discussão? Que modelo de Reforma Tributária a categoria defende?
A Fenafisco, junto com a Associação Nacional dos Auditores da Receita Federal do Brasil, formularam uma proposta que nós chamamos de Reforma Tributária Solidária, fruto de um trabalho de dois anos, que reuniu mais de 40 especialistas, professores, estudiosos e técnicos. Nós formulamos uma proposta de um novo modelo de tributação no país. Metade da carga tributária no Brasil incide sobre o consumo, onerando principalmente as famílias. O orçamento familiar é muito sobrecarregado com os tributos no consumo. Por outro lado, o Brasil é, em comparação aos países mais desenvolvidos, o país que menos taxa os ricos. Os ricos no Brasil pagam menos impostos do que pagam os ricos nos países desenvolvidos. Então, a nossa ideia é reestruturar o imposto de renda da pessoa física no Brasil, de modo que ele seja progressivo, aumentando a tributação sobre os mais ricos e diminuindo entre os mais pobres; e aumentar a tributação no patrimônio. Vou dar um exemplo: No Brasil, tem um imposto chamado IPVA, que é imposto sobre propriedade de veiculo automotor, e ele incide sobre o automóvel, até mesmo de um pai de família ou uma mãe de família que ganha R$ 2 mil, e tem um carro velho, e paga IPVA. Um Iate, uma lancha, um Jet-ski, um jato executivo, não pagam IPVA. Quem é que tem Jato Executivo no Brasil? São os milionários. Então, nós temos que ajustar. Outra proposta que nós temos é isentar todo mundo que ganha até quatro salários mínimos do Imposto de Renda; por outro lado, estamos propondo que todos que ganham acima de 40 salários mínimos por mês paguem mais imposto de Renda. Com essa mudança, apenas no Imposto de Renda Pessoa Física, que a reforma tributária solidária está propondo, nós vamos conseguir arrecadar R$ 157 bilhões por ano. Se nós consideramos que governo diz que vai economizar R$ 1 trilhão, com essa reforma da previdência que vai penalizar os mais pobres, o que vai dar uns R$ 100 bilhões por ano, nós estamos dizendo que com a simples mudança no Imposto de Renda, atingindo apenas os mais ricos, nós arrecadamos R$ 157 bilhões por ano, o que da mais de R$ 1,5 trilhão por ano. Então, é uma questão de opção. O Governo propõe atingir 35 milhões de pobres com a Reforma da Previdência, tirando direitos; nós estamos propondo taxar 750 mil pessoas, que são essas que ganham acima de 40 salários mínimos. Apenas taxando 750 mil pessoas, a gente arrecada quase uma vez e meia o que o Governo diz que vai arrecadar com a Reforma da Previdência. 750 mil pessoas representa menos de 0,5% da população brasileira.
– Projetos de isenção fiscal sempre são vistos como formas de atrair empresas, que afirmam gerar empregos como resultado. No entanto, nos últimos anos, há muita polêmica em relação a isso. Como a Fenafisco acompanha a politica de isenção fiscal no país. Ela tem trazido os resultados esperados para a sociedade?
O resultado está aí. A gente não precisa mais especular sobre isso. Está aí o resultado dessas desonerações, dessas renúncias sem critério nenhum, sem contrapartida nenhuma pra sociedade. Os governos, tanto o federal como os estaduais, abrindo mão de receita, desonerando, concedendo benefícios fiscais sem nenhum critério. Isso não melhorou o emprego no Brasil, não diminui o preço das mercadorias, a sociedade brasileira não ganhou nada com essa desoneração desenfreada. Só no ano passado, apenas a união abriu mão de R$ 400 bilhões em renúncias. O Governo quer economizar R$ 100 bilhões por ano, tirando dos mais pobres, mas ele concedeu R$ 400 bilhões, ou seja, quatro vezes mais, para empresários, com benefícios que não trouxeram coisas positivas pra sociedade.
– Os estados brasileiros, atualmente, passam por crises econômicas e adotam medidas de austeridade e contenção de gastos, para tentar manter o equilíbrio. O que gerou essa situação nos estados brasileiros, na sua avaliação?
Os estados, em regra, renunciam muito ao ICMS, que é o principal imposto sobre consumo no Brasil. É bom que se diga que o ICMS é um imposto que incide no preço das mercadorias, ele está embutido nos preços. Se você reduz o ICMS de determinada mercadoria, a lógica é que haja uma diminuição no preço final da mercadoria, mas não é o que se vê. Os estados abrem mão de ICMS, mas o preço não reduz na ponta. Então, o destino do ICMS apenas aumenta o lucro das empresas. Então, é preciso rever as renúncias fiscais e essas desonerações, e é preciso ser mais rigoroso no combate à sonegação. Os fiscos, em boa medida, estão desestruturados para combater a sonegação, que no Brasil está estimada em R$ 500 bilhões por ano. Fala-se muito em corrupção, que é um mal que precisa ser combatido, mas pelos números que a gente tem, a sonegação tira muito mais recursos que a corrupção. Então, é preciso enfrentar a sonegação, é preciso reduzir as renuncias fiscais e preciso mudar a tributação no Brasil, de forma que os mais ricos paguem mais.
– Crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, sonegação fiscal e outros sempre são apontados como grandes responsáveis por grandes prejuízos aos cofres públicos. Como vocês analisam a legislação atual e o que precisa ser feito para enfrentar de frente essas questões?
A legislação no Brasil para o sonegador é extremamente condescendente. No Brasil, quem sonega imposto, basta pedir um parcelamento do valor sonegado, que ele não é punido, não recebe nenhuma punição. Ou seja, o risco de sonegar no Brasil é zero. O sonegador pode sonegar anos e anos, e no dia que for apanhado, basta ele pedir o parcelamento desse valor da sua sonegação, que ele não é punido. Não possível admitir que a lei no Brasil seja tão frouxa para o crime de sonegação.
– Uma das principais críticas da população brasileira diz respeito ao fato da alta carga tributária não se transformar em políticas públicas e ações práticas que sejam visualizadas no cotidiano. Por que isso acontece?
Em primeiro lugar, a carga tributária no Brasil só é alta para os mais pobres. Isso precisa ficar claro. A carga tributária no Brasil é baixíssima para os mais ricos, portanto, ela tem que aumentar. Só aumentando a carga tributária dos mais ricos, nós vamos poder diminuir a dos mais pobres. Quanto à aplicação dos recursos, esse é um dos grandes males que acomete o Brasil. os recursos públicos no Brasil são muito mal empregados, são desviados, e vão boa parte pra o juros e para o rentismo. Isso é um processo democrático, de construção, de formação de consciência, de educação, de modo que a sociedade tenha mais consciência do que paga, que ela não sabe, para que possa cobrar os governos, o parlamento, enfim. É um processo longo de aprendizado da nossa sociedade, para que ela possa ser, de fato, mais ativa na hora de cobrar aplicação correta dos recursos.
– Como a Fenafisco, enquanto entidade, tem participado dos grandes debates nacionais em relação às reformas, por exemplo? A entidade dialoga com a classe política e com a sociedade?
A Fenafisco dialoga permanentemente com classe política, seja nos estados, por intermédio dos sindicatos filiados, e também faz isso no plano nacional, permanentemente no Congresso. A Fenafisco desenvolve campanha de esclarecimento e de conscientização sobre os tributos, e está defendendo e apresentando à sociedade esse projeto de Reforma Tributária Solidária. Estamos permanentemente refletindo e procurando informar a população sobre essa matéria.
– O que a população brasileira pode esperar nos próximos anos da atuação dos auditores do fisco?
A população pode esperar da Fenafisco e dos seus sindicatos todo o engajamento nos debates. Vamos percorrer o Brasil inteiro apresentando e discutindo nosso projeto de reforma tributária solidária, e a gente espera que com esse projeto, a gente tenha um canal de interlocução de discussão, de modo que a gente possa construir no Brasil um sistema tributário mais justo.
Por: Natanael Souza – Jornal O Dia
Fonte: Fenafisco