Renda de servidores é responsável por inflar a média salarial no pais
Rendimento médio do brasileiro alcança maior nível desde 2012. Mas, enquanto o ganho dos trabalhadores da iniciativa privada subiu apenas 0,8% no último ano, o dos funcionários públicos cresceu cinco vezes mais: 4, 2%
Apesar do ritmo lento de recuperação da economia, o rendimento médio real do brasileiro está no maior nível da série histórica iniciada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2012. Na última divulgação, com base nos dados do trimestre terminado em janeiro de 2019, o órgão mostrou que os brasileiros ganham, em média, R$ 2.270 por mês. O que explica o valor recorde, segundo os dados, é que a renda tem sido puxada, principalmente, pelos ganhos dos servidores públicos.
De acordo com o IBGE, no período de um ano — entre o trimestre encerrado em janeiro de 2018 e os três meses terminados em janeiro de 2019 —, os salários dos trabalhadores da iniciativa privada cresceram apenas 0,8%; no mesmo intervalo de tempo, o funcionalismo público aumentou seus ganhos em 4,2%. Segundo o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fábio Bentes, isso não reflete melhora da economia.
“De fato, o rendimento atingiu o ponto mais alto da série histórica. Claro que a série histórica pegou um período de desaquecimento, a partir de 2012, e de longa recessão, a partir de 2014, até 2016. Podemos ver que, desde a recuperação, que começou em 2017, os salários vêm mantendo uma tendência de alta, mas, claramente, há uma perda de fôlego nos últimos meses”, afirma Bentes.
O economista ressalta que a inflação baixa também contribuiu para o desempenho positivo da renda. “Mas aquele ritmo de recuperação esperado desde 2017 praticamente estacionou em 2018, e ainda é muito tímido em 2019”, diz. “Fora que o crescimento está sendo puxado pelo funcionalismo, que tem aumentado os rendimentos ao longo dos anos. E o que chama a atenção é que a produtividade não tem se elevado. Isso só reforça a necessidade de a reforma da Previdência focar nesta categoria de trabalhadores”, completa o economista.
Se, por um lado, servidores estão ganhando mais, trabalhadores da iniciativa privada reclamam que o poder de compra está estagnado há anos. É o caso de Maria Aurilene Carvalho Nunes, 52 anos. A cada ano, ela sente que a renda real dela diminui um pouco. Apesar de ter atuado em áreas distintas nos últimos anos, para ela, parece que o salário nunca aumenta efetivamente. “Está muito apertado. Parece que o que eu ganho só aumenta conforme o salário mínimo, sendo que tudo encareceu. Principalmente alimentação”, afirma.
Hoje, como babá, ela diz que tem carteira assinada, mas que o rendimento não dá conforto financeiro. Maria Aurilene, que tem uma filha de 22 anos, conta que está difícil de encontrar emprego e oportunidades. “Deixamos de usar o cartão de crédito, porque, se não tiver controle, ele toma toda a parte do seu dinheiro”, diz. “Todos temos perspectivas de melhora. Torcemos para que tudo dê certo, mas, por enquanto, estamos na mesma situação há alguns anos”, acrescenta.
Consumo
Outro caso é do consultor técnico de esquadrias Glauber Nunes, 27, que trabalha no ramo há mais de 10 anos. Segundo ele, houve tempos em que a remuneração era mais alta. “O auge foi em 2010. Naquela época, eu ganhava bem mais do que hoje”, destaca.
Essa percepção vem da experiência de consumo que Nunes tem vivido nos últimos tempos. Ele conta que a situação em casa está difícil. Já abriu mão de alguns confortos, como TV a cabo e internet sem fio. Até mesmo as faturas de água e luz foram renegociadas pelo trabalhador. “Não está dando para pagar as contas. Meu nome já está no SPC e no Serasa”, diz. Para ele, o aumento médio da renda do brasileiro captado pelo IBGE “ainda não chegou”.
Para economistas, a percepção de melhora vai demorar para ocorrer. O país tem 12,7 milhões de desempregados, fora os 4,7 milhões de brasileiros que desistiram de procurar trabalho, os desalentados. Cimar Azeredo, gerente de Pesquisa do IBGE, destaca que o nível de rendimento vai depender do ritmo de recuperação da economia e do emprego. “Hoje, há crescimento de postos de trabalho, mas ainda associado a empregos de baixa qualidade e voltados para a informalidade”, frisa. “O rendimento é uma variável volátil e tem a ver com o salário mínimo (que foi reajustado em janeiro). Desde o início da série, porém, temos registrado marcas de rendimento mais baixo”, acrescenta.
Estagnação
O número de empregados no setor privado com carteira assinada é de 32,9 milhões de pessoas, segundo o IBGE, estável em comparação ao trimestre encerrado em janeiro de 2018. Já o número de empregados sem carteira assinada subiu 2,9% no período, atingindo 11,3 milhões. Além disso, a categoria dos trabalhadores por conta própria avançou 3,1%, englobando 23,9 milhões de brasileiros.
Renan De Pieri, professor de economia do Insper, avalia que a taxa de desemprego tenha mostrado ligeira queda no último ano, isso não foi suficiente para gerar aumento significativo do rendimento da população. “Houve piora na renda em meados de 2016 e, a partir daí, uma evolução. Mas a situação não é muito melhor. A principal constatação é de que os salários estão quase estagnados, mesmo com a retomada dos postos de trabalho”, avalia.
De Pieri afirma ainda que, nos próximos anos, mesmo que a atividade econômica se aqueça, os salários podem não subir. “Um dos problemas sérios do desemprego é que, a partir do momento em que a oferta de vagas aumentar, a população desalentada voltará a procurar emprego, inflando a taxa de desocupação. Por isso, mesmo com criação de empregos, não será possível gerar renda tão rápido, ainda mais com a previsão de crescimento modesto da economia”, analista o especialista.
Fonte: Correio Braziliense