Servidores alegam inconstitucionalidades na reforma e traçam estratégias para ‘driblar’ a PEC
Esgotadas todas as tentativas de barrar itens do texto n Legislativo, funcionalismo pensa em ir ao Supremo
O setor público foi o mais afetado com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Reforma da Previdência, e as categorias já estão se articulando para impedir o avanço do texto — na forma que está — no Congresso Nacional. Enquanto o governo de Jair Bolsonaro assume o discurso de que o projeto ataca privilégios, pois, de fato, prevê contribuição maiores para as carreiras que ganham mais, os servidores contra-argumentam. Eles afirmam que a progressividade de alíquota e outras medidas são inconstitucionais. E essa será a defesa utilizada para tentarem modificar a PEC.
Serão percorridos vários caminhos dentro do Parlamento, desde a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, até o Senado. E se em nenhum deles o funcionalismo conseguir resultados, já é ponto pacífico entre as categorias de que a saída será recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde podem ajuizar ação direta de inconstitucionalidade.
Presidente do Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques afirma que a entidade já está debruçada sobre a PEC fazendo um estudo junto com a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas) para destrinchar “vácuos e erros” do texto. Mas diz que, de imediato, já identificaram “inconstitucionalidade” na progressividade das alíquotas.
Além disso, apontam a “natureza confiscatória” do aumento das contribuições. Pela proposta, hoje quem recebe R$ 20 mil, por exemplo, terá desconto previdenciário de 19%, e não mais os 11% que hoje são aplicados.
A estratégia é apresentar esses itens na CCJ. “Se nada mudar, vamos sugerir emendas ainda na Comissão Especial. Depois, vamos acompanhar a tramitação do texto na Câmara. E, no Senado, tentar barrar algum eventual absurdo aprovado pela Câmara”, detalha o dirigente, acrescentando, que, caso não tenham êxito pela via legislativa, vão bater à porta do Supremo.
Mas apesar de elevar a contribuição daqueles com salários mais altos, a PEC desconta menos de quem tem remuneração menor. E essa medida sustenta os argumentos do governo federal de que o projeto busca corrigir o sistema e fazer uma cobrança mais justa.
Indagado sobre isso, o presidente do Fonacate rebate: “No caso do desconto previdenciário, não é constitucional, diferente do IR. Porque a contribuição para a previdência já incide sobre o valor total da remuneração, então, quem ganha mais recolhe mais por conta da diferença salarial”.
Outra medida que vem assustando os trabalhadores públicos — e os privados também — é a capitalização da previdência. Presidente da Federação Nacional do Fisco (Fenafisco), Charles Alcântara classifica como “dissolução da Previdência Pública”. “É o caminho do fim da Previdência Social. Da forma que o Paulo Guedes (ministro da Economia) muitas vezes defende, é o mesmo modelo adotado no Chile, é uma capitalização individual”.
Alcântara frisa que haverá muita articulação na Câmara dos Deputados para que ações previstas na PEC não recebam aval. E, mais uma vez, a progressividade das alíquotas é atacada. “Somado ao desconto do Imposto de Renda, algumas categorias terão quase 50% do salário confiscado. Isso é uma mordida confiscatória. O que nós defendemos é a tributação progressiva, que é diferente. E acho estranho o governo propor progressividade nas alíquotas previdenciárias, mas não nos tributos no país”.
E para trabalhar no convencimento de deputados, o discurso que será ‘martelado’ pelas categorias é de que parte do déficit da previdência dos regimes próprios, bem como do Regime Geral, é causada por má gestão e desvinculação de receitas.
DRU será questionada
O presidente da Fenafisco sugere a discussão de “novo financiamento do modelo”: “Não pode o governo apenas dizer que há déficit. O déficit é fruto de vários fatores. O poder público diz que é deficitário, mas tira 30% do orçamento da Seguridade Social pela DRU (Desvinculação de Receitas da União)”. Inicialmente eram 20% e o percentual foi ampliado até 2023 no governo Temer, por PEC aprovada no Congresso.
Parlamentares disputam relatoria
A disputa pela relatoria da PEC na Câmara está acirrada. Diversos parlamentares tentam persuadir Maia e o secretário de Previdência, Rogério Marinho, para assumir o posto. Estão no páreo Eduardo Cury (PSDB-SP); Pedro Paulo (DEM-RJ), que foi relator da Lei Complementar que criou o Regime de Recuperação Fiscal dos Estados; e um nome ainda não muito comentado nas rodas: Joice Hasselmann (PSL-SP). Kim Kataguiri (DEM-SP), líder do Movimento Brasil Livre (MBL), também se candidatou, assim como outros deputados.
A primeira etapa da proposta de reforma no Congresso é passar pela análise da Comissão de Constituição e Justiça, que deve ser instalada na próxima terça-feira, como sinalizou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Essa comissão que vai dizer se as regras estabelecidas no projeto ferem algum princípio constitucional.
A partir da abertura começará a correr o prazo: o colegiado terá cinco sessões para apresentar parecer. Depois, a PEC seguirá para a Comissão Especial, que se der sinal verde ao texto o encaminhará para o plenário da Câmara. Se o governo tiver 308 votos, de um total dos 513 votos, o texto segue para o Senado. A proposta será analisada pela CCJ do Senado, e depois vai ao plenário. Nessa última casa legislativa, só passará se receber 49 votos entre os 81 senadores.
Mudanças previstas
A PEC prevê equiparação do setor público à iniciativa privada. Enquanto hoje os servidores se aposentam com a idade mínima de 60 anos (homens) e 55 anos (mulheres), pela proposta, eles só poderão ir para a inatividade com 65 e 62, respectivamente — desde que tenham 25 anos de contribuição, 10 de funcionalismo e 5 no último cargo.
O cálculo do benefício será o mesmo do Regime Geral: 60% da média de todos os salários da pessoa com mais 2% a cada ano que superar 20 anos de tempo de contribuição. Na União, a alíquota para aqueles que ganham até um salário mínimo (R$ 998,00) será 7,5%. E o desconto maior será de 22% para salários a partir de R$ 39 mil. Já estados e municípios terão que aplicar, de imediato, 14% para todos.
Fonte: O Dia