A reforma tributária que o brasileiro realmente quer

A desigualdade é, de longe, o pior problema do Brasil, simplesmente porque maltrata milhões de brasileiros, que a sentem tão de perto e tão presente. O abismo entre pobres e ricos afeta diretamente a segurança pública, a falta de mão de obra qualificada, as políticas de saúde, a educação e a economia como um todo.

Pesquisa da Oxfam realizada pelo Datafolha e divulgada no início deste mês, mostra que o brasileiro sabe disso e quer mudar essa realidade. Para 67% dos entrevistados, a prioridade do governo deveria ser a redução das desigualdades. E para 61% o governo deveria diminuir os tributos sobre bens e serviços e aumentar o imposto de renda dos mais ricos.

Na mesma linha de raciocínio, 63% dos que responderam à pesquisa concordam que quem ganha mais deve pagar mais tributos.

A percepção do brasileiro reflete com fidelidade a dura realidade que o aflige. Atualmente no País, os muito ricos chegam a ter mais de 70% da sua renda excluídos da tributação, o que expõe a absoluta falta de solidariedade tributária dos muitos ricos para com o País.

Para tributar essa fatia, é preciso voltar a taxar os lucros e dividendos de pessoa física. Se o fizéssemos pela atual tabela progressiva do imposto de renda de pessoa física (IRPF), com uma faixa de isenção e alíquotas variando de 7,5% a 27,5%, conforme a renda do recebedor, teríamos uma receita adicional estimada em mais de R$ 80 bilhões, contribuindo sobremaneira com a redução da desigualdade.

Essa é apenas uma de um conjunto de medidas que ajudaria a tornar nosso sistema de impostos mais progressivo e, portanto, mais justo.

Os países capitalistas menos desiguais do mundo adotaram e sustentam sistemas tributários progressivos desde meados do século 20.

Em termos tributários, o Brasil acumula 70 anos de atraso. Para muito além dessa polaridade patológica que assistimos nas ruas e nas redes sociais, a tributação progressiva deveria estar no topo da agenda de qualquer governo com um mínimo de responsabilidade com o País.

A população brasileira pode não chamar a tributação progressiva pelo nome, por não dominar conceitos técnicos, mas a pesquisa Oxfam/Datafolha expõe de maneira incontroversa que a ampla maioria quer que os mais ricos paguem mais impostos em favor dos mais pobres.

A isso chamamos de tributação progressiva. A isso também podemos chamar de civilização.

Existem estudos de alto nível que já caminham na direção do desejo da população. Um deles é a Reforma Tributária Solidária, um movimento encabeçado pela Fenafisco (Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital) e Anfip (Associação Nacional dos Auditores da Receita Federal do Brasil), que reuniu mais de 40 especialistas no assunto para dissecar e apontar soluções para transformar o sistema tributário em instrumento de redução da desigualdade.

São centenas de páginas, inúmeras discussões no Congresso e na sociedade para disseminar a proposta.

Uma ideia básica defendida pelo movimento é a redução de tributos sobre o consumo de bens e serviços, compensada pelo aumento na tributação da renda de pessoa física para quem ganha acima de 40 salários mínimos mensais.

Mesmo os mais ricos, que passariam a pagar um pouco mais na renda e patrimônio, também ganhariam em razão do crescimento econômico proporcionado pela redução da tributação no consumo.

Em outras palavras: o que você faria se pudesse pagar menos impostos sobre o que você consome e sobre o que você ganha?

Muitos trabalhadores não têm dinheiro para pagar contas básicas, como alimentação, por exemplo. Com as propostas trazidas pela Reforma Tributária Solidária, quem ganha menos poderia ter uma vida mais digna, além de aumentar o seu poder de compra.

Aumentando o número de consumidores, a roda da economia gira.

Segundo a pesquisa da Oxfam, 72% da população acreditam que para o País progredir é fundamental reduzir a distância que separa ricos e pobres.

Não precisamos de mais medidas de austeridade, que só enganam os olhos a curto prazo e não resolvem o problema fiscal.

Os números e a história nos mostram que o crescimento só ocorre verdadeiramente em uma sociedade mais justa e igualitária.

A progressividade é a ferramenta que busca a realização da justiça fiscal, estando, portanto, intimamente ligada aos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da isonomia.

A realização de um País socialmente justo, como aspira e necessita a sociedade brasileira, passa necessária e imperiosamente por uma reforma tributária progressiva e, portanto, solidária.

*Charles Alcântara, presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco)

Fonte: Estadão